terça-feira

Os clássicos de Rui Barata


Peugeot 504 GLD Automatique
(cotado como clássico pela "Ruoteclassiche" - publicação internacionalmente reconhecida no assunto - e pela "FIVA" - organismo máximo internacional responsável por esta matéria)

Em julho de 2008 foi alvo de artigo na Revista:

  

Nascido a 21 de abril de 1978, no Luxemburgo, fui naturalizado português em junho de 1983. Tive apenas dois donos, continuando sempre na mesma família... a minha família! Inclusive, ainda são mantidos, para minha valorização, os documentos de compra, garantia e legalização em Portugal.
Não fui comercializado no nosso país, pelo que, provavelmente, devo ser único ou muito raro em terras lusas. Mesmo noutros mercados não sou muito conhecido, senão vejamos: de quase 3,7 milhões de irmãos, só 700.000 eram movidos a gasóleo! Nessa categoria, bate o meu coração de 2288 c.c., propulsor algo raro e pouco conhecido. Pensa-se ser uma passagem do 2112 para o 2304 c.c., entre 1977 e 1978. O 2112 assumiu-se, aliás, quando foi introduzido, em 1970, como o diesel mais potente do mundo (65 cv), assim como o 2304, anos mais tarde (1978), pois foi a partir deste que se gerou o primeiro turbo-diesel do planeta. Efetivamente e, à escala mundial, os 504 seriam dos veículos a gasóleo que mais potência poderiam oferecer. Teoria comprovada por uma publicação online inglesa “Classic Car Mart”, em 2008, que afirmaria isto mesmo. As versões a gasolina, embora fossem referência pelo seu “trabalhar” silencioso, fiabilidade e disponibilidade - 1.8; 2.0 (disponível, também, com injeção Kugelfischer); V6 apenas no coupé e cabriolet - não se afirmaram, tão imponentemente, como os diesel. Estes últimos, da INDENOR (uma divisão industrial da marca) – que estiveram em produção contínua durante 50 anos e foram introduzidos em inúmeras aplicações e emblemas - apresentavam ainda um sistema único, patenteado pela nossa mãe Peugeot, que nos tornava menos faladores ao ralenti. De 44 versões diferentes disponíveis nos cinco continentes, só eu e mais seis irmãos meus possuíamos caixa automática alemã (ZF), uma das melhoras marcas do mundo neste tipo de sistemas - tornando-me, assim, num modelo ainda mais restrito. De facto, a minha essência (GLD / série limitada A45: diesel–automático, da qual fizeram poucos exemplares - pensa-se que cerca de 2000, a maior parte dos quais exportados para os EUA), esteve apenas em produção entre 1977 e 1978 (todavia, ainda foram comercializadas pouquíssimas unidades em 1979, antes da chegada da versão SRD automatique, em 1980, sendo esta, igualmente, muito escassa). Sou, assim, um carro muito raro um pouco por todo o lado, mesmo no meu país de origem. Qualquer das formas, a combinação mencionada (motor a gasóleo e transmissão automática) era muito invulgar no mercado automóvel desta altura, estando reservada a veículos de eleição. No ano de 1978, eu era, ainda, a berlina da Peugeot mais cara e luxuosa, sem falar do meu primo 604. Todavia, como verdadeiro topo-de-gama que fui, entre 1968 e 1975, o preço na terra dos meus pais, ou seja, em França, aquando do nascimento do meu irmão mais velho, em 1968, era o equivalente a cerca de 12700€.
Apresentei-me como o 1.º automóvel francês a dispor de vidros laterais curvos e encostos de cabeça. Estes últimos – ausentes, durante algum tempo, em concorrentes de peso - são escamoteáveis e podem ser inseridos dentro do banco, sem os retirar (sistema único no planeta). Ostento – ao contrário da maior parte dos meus familiares que vieram para Portugal e outros países – vidros escurecidos de tom castanho e canalização do ar quente e frio da respetiva climatização, para os passageiros que se fazem transportar no banco traseiro. A iluminação do meu painel da caixa automática, bem como do painel de instrumentos, pode ser controlada, ao mesmo tempo, através de um botão localizado neste último. Apresento, também, pré-instalação para faróis de nevoeiro à frente e atrás, luz e chave no porta-luvas, iluminação na mala, indicador da carga da bateria – ao contrário de modelos mais modernos - termómetro de água, relógio analógico, sistema de desembaciamento elétrico do óculo traseiro, cintos de segurança com enrolamento automático, apoio de braços central no banco traseiro, teto de abrir manual, suspensões independentes às quatro rodas, com duas barras estabilizadoras (modéstia à parte, extremamente confortáveis e robustas) e travões de disco com servo-freio, (às quatro rodas nas 1.ªs séries), maneiras de ser comuns à restante família 504. Em relação a estes dois últimos aspetos, convém salientar a aplicação pouco usual naquela época, mesmo contrapondo os potentes modelos americanos (berlinas e desportivos). Para além destes factos, o meu V transmissão / diferencial é interno, uma solução que foi inovadora perante os outros automóveis. Em certas variantes, ainda nos introduziram sistemas 4x4 (Dangel) e outros equipamentos, muito raros, como a direção assistida, os vidros elétricos, ar condicionado, estofos em pele, catalisadores e GPL! Apresentávamos, assim, no meu tempo, um leque de características dignas, apenas, de carros de exceção, mas largamente divulgadas nos dias de hoje.
Sobrevivemos durante 37 longos anos (1968-2005: o 504 foi o Peugeot que mais tempo se manteve no ativo), período em que demos muitas alegrias à marca que nos deu à luz. Razão, pela qual, existem sete exemplares em exposição no nosso museu, em Sochaux - sendo o carro do leão mais representado - e outro, em inox, no museu de Reims Champagne. Destaco, igualmente, o bom volume de vendas em quase todo o mundo (3.º no top do construtor. Em 1975, seríamos a berlina mais comercializada na Europa e, nos anos 90, ainda vendíamos mais que o topo de gama 605); as vitórias nos ralis africanos da década de 70 (muitos dos componentes de série eram idênticos aos dos nossos irmãos destinados à “guerra”); a robustez (ficou registado o bom nome desta geração de automóveis, através de serviços prestados durante largos períodos de tempo, entre outros casos, como táxi, ambulância, carro da polícia e de apoio ao ciclismo profissional, autocaravana, papamobile e modelo de luxo – por exemplo, em 2011, o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, vendeu o seu 504 num leilão internacional, por 1,81 milhões de euros e Enzo Ferrari possuiu um outro, em 1969. Em imagens de arquivo da RTP, relativas ao 25 de abril, surge um 504 preto que servia altas patentes. Hoje e, em África, ainda nos encontramos a trabalhar arduamente!) Até fui estrela de cinema no passado e, agora, na velhice, chamaram-me novamente para este serviço!
Não é para me gabar, mas sou considerado um dos carros mais bonitos (desenhado por Pininfarina, em parceria com o atelier de design da Peugeot – rompendo, para sempre, com os estilos anteriores da marca. Os meus inéditos faróis dianteiros foram comparados, então, aos olhos da atriz internacional Sophia Loren), confortáveis, espaçosos, robustos e míticos desta família francesa. Bastante elogiado pela imprensa mundial, acabei por arrebatar o 1.º prémio internacional da Peugeot: “Carro do Ano 1969”, contra opositores de respeito: BMW 2500/2800; Alfa Romeo 1750; Audi 100; e Jaguar XJ, tendo sido enaltecidos o estilo, qualidade, chassis, visibilidade, requinte e potência. Ainda a este propósito, uma publicação australiana “Unique Cars and Parts” afirmaria, em 2010, que o 504 se encontrava, no seu tempo, entre os dez melhores sedans do mundo.

É claro que o meu dono não é alheio a tudo isto e, como tal, insiste em lidar comigo como se fosse uma pessoa... doido! Sou apenas um automóvel! Mas gosto muito que me tratem bem... quem é que não gosta!?

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